4.30.2006

 
OLHAR SOBRE A MÍDIA: VISÃO GAÚCHA

Abaixo, você poderá conhecer o trabalho de alguns pensadores.
Ajude a enriquecer esse espaço.
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4.04.2006

 
Paulino Cardoso: "Muita celebração, pouca política"

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Paulino Cardoso

ENTREVISTA realizada por Diony Maria Soares, Jornalista, especialista em Antropologia Social e mestranda em Educação (Universidade Federal de Pelotas) e publicada no www.irohin.org.br

O professor Paulino de Jesus Francisco Cardoso, da Universidade de Santa Catarina (Udesc), é membro da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados aos Afro-Brasileiros, ligada ao Ministério da Educação, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Udesc, e um dos animadores do Consórcio de Neab’s, uma articulação composta por 47 dos principais centro de estudos africanos e afro-brasileiros das universidades brasileiras. Doutor em História pela Pontifícia Católica de São Paulo, Paulino Cardoso participou das duas edições da Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora - a CIAD.

Em 2004, no Senegal, em Dakar, ele foi convidado a debater o tema 2, Contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21. No Brasil, em Salvador, o Bloco A ( Das origens até 1850) da mesa temática 3 (Novos rumos da historiografia da África e da Diáspora), que aconteceu no dia 13 de julho, pela manhã, no auditório Xangô II, do Centro de Convenções.


O Ìrohìn conversou com o professor Paulino Cardoso e, entre outros temas, solicitou que ele fizesse um balanço sobre os avanços (ou não) obtidos nos dois anos que separaram Dakar de Salvador, salientasse características que assemelham ou diferenciam os dois eventos e expusesse as suas expectativas para o futuro sobre as relações políticas entre os países africanos e os que integram a Diáspora.

Ìrohìn - Professor, diante da atual conjuntura política internacional, qual o balanço que o senhor faz sobre os avanços (ou não) verificados nas principais temáticas debatidas em 2004, no Senegal?

Paulino Cardoso - Em 2004, tomei conhecimento sobre a 1ª Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora, por intermédio dos professores doutores e africanistas Carlos Moore, na época, consultor do Ministério da Educação, e Acácio S. Almeida Santos, vice-coordenador da Casa das Áfricas de São Paulo. Organizada pela União Africana, o evento teve como tema "A África no século 21: Integração e Renascimento" e reuniu cerca de 700 pessoas.

Naquela Conferência discutiram-se seis temas: 1. Pan-africanismo no século 21; 2.Contribuição dos intelectuais africanos e da Diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21; 3.Identidade Africana em um contexto multicultural; 4.O lugar da África no mundo; 5.As relações da África com suas diásporas 6.África, ciência e tecnologia.

Neste caso, nada muito diferente da acontecida em Salvador, nos últimos dias 12,13 e 14 de julho. No entanto, a coincidência termina aí. Nós, intelectuais da Diáspora Africana, saímos de Dakar com muitas propostas em mente, entre elas, a de conferir aos afro-descendentes do mundo, a condição de sexta região da União Africana. A II CIAD no Brasil parecia encaminhar nesta direção.

Outro aspecto que não pode ser ignorado, como disse uma colega da comissão que debateu "A contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21", foi uma certa ambigüidade existente na conferência. Era um encontro de intelectuais, muitos deles ligados ou exercendo cargos públicos, financiados e organizados por instituições estatais. Tal aspecto "tensionou" as discussões e, de algum modo, vinculou a agenda dos pesquisadores aos problemas sofridos pelos governos.

Não por acaso, a cerimônia de abertura e a mesa redonda com chefes de estado que se seguiu teve um forte impacto entre os participantes. Para mim, que não havia experimentado esse contato direto com lideranças de países tão diferentes como Líbia (por teleconferência), Mali, Ruanda, Uganda, África do Sul e Cabo Verde, os discursos foram impactantes e contribuíram para repensar o modo como eu imaginava o continente e nossas relações com ele.

Infelizmente, não consegui anotar todas as recomendações apresentadas pelos relatores dos grupos. E mesmo que quisesse, muito do que foi produzido não estava nas plenárias, mas nos muitos debates e acordos que ocorreram nos corredores, durante as refeições e inúmeras atividades paralelas.

Os intelectuais do continente centraram sua reflexão nas formas de implementação da integração efetiva da África. Seguindo a orientação de Abdoulaye Wade, M. Gadafi, Thabo Mbeki e outros, muitos defenderam a necessidade da integração total do continente, criando instrumentos que levassem à criação dos Estados Unidos da África. Para tanto, defenderam a importância de se estudar os processos de integração econômica que deram certo (por exemplo, Mercado Comum Europeu), assim como a integração das universidades e a adoção de línguas francas, não-étnicas, como o suaíli e o árabe.

Em relação aos afro-descendentes, o ponto consensual e de grande relevância foi a proposta de transformar o conjunto da Diáspora na sexta região da União Africana. Os colegas da Comissão 5 (As relações da África com suas Diásporas) propuseram, ainda, o direito dos afro-descendentes à cidadania africana, com o fim dos vistos e livre trânsito pelo continente, um maior comprometimento dos governos com a luta pela melhoria das condições de vida e pelo combate ao racismo e outras formas de intolerância. E, nesta questão, vi no presidente de Cabo Verde, um aliado generoso e atento. Indicaram, também, a necessidade de uma difusão da história e cultura dos povos de origem africana, nas Américas e no restante do mundo, nas instituições escolares dos países africanos.

A nota negativa foi a pequena presença de brasileiros. Infelizmente, grande parte dos intelectuais negros e negras, com vasta produção e grande respeitabilidade, não foi contatada pelas pessoas responsáveis pela organização do evento no Brasil. Suas ausências demonstraram a urgência da consolidação da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como nosso interlocutor institucional junto a diferentes agências governamentais, da sociedade civil e de cooperação internacional, para que possamos dar visibilidade a nossa produção científica e às nossas demandas.

Creio que o evento se constituiu em um passo importante em nossa luta para recuperar o controle do discurso sobre nós mesmos, na medida em que nos foi possível fazer contatos com muitos intelectuais africanos, abrindo caminho, desse modo, em um futuro próximo, para a concretização de parcerias, intercâmbio acadêmico e cooperação cientifica.

Para nós, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade de Santa Catarina (Udesc), a conferência possibilitou divulgar as atividades da Udesc e angariar apoios junto às instituições de ensino superior africanas para o projeto de um consórcio interinstitucional de Neab’s.

Ìrohìn - Especificamente em relação aos dois eventos, quais as principais características dos trabalhos desenvolvidos no Senegal e os que aconteceram em Brasil?
Paulino Cardoso – Esta conferência foi bem diferente. Na I CIAD, a metodologia do evento baseou-se na apresentação de documentos, comentários, debatedores e discussões com os participantes presentes nas comissões temáticas. Ao final, cada comissão elaborou seu relatório, que foi lido e debatido em plenário. Sendo que o professor Theófilo Obenga, relator geral da conferência, responsabilizou-se pela entrega de um documento final no prazo de 30 dias após o encerramento do encontro.

A II CIAD manteve alguns aspectos, mas ao invés de um encontro entre intelectuais da África e suas Diásporas, ela teve uma caráter mais acadêmico, com cada um apresentando sua comunicação e pouco espaço para o debate político. Chamo a atenção especial para presença de especialistas brancos e a inclusão semanas antes do encontro de nomes de uma intelectualidade negra e acadêmica.

Não consegui entender a ausência de intelectuais da Diáspora africana na América Latina. Senti falta de delegações da Colômbia, Venezuela, Peru, Uruguai, Equador, Centro América e Caribe. Como informei no meu relato, o ritmo era bem outro, trabalhávamos por horas e horas seguidas, parando para o almoço, e alongando os trabalhos até as 19 horas. Além disso, conversávamos muito.

Ìrohìn – A que se devem, em sua opinião, tais diferenças?

Paulino Cardoso - Existe uma disputa por hegemonia entre os países africanos e isso parece ter tido um peso decisivo na condução da I CIAD no Senegal. Já no Brasil, parece que a organização da Conferência privilegiou um evento com uma característica muito mais celebrativa do que política.

Ìrohìn – Alguns especialistas em organização de eventos do mesmo porte da CIAD criticaram o tamanho das mesas do evento no Brasil. As mesas eram compostas por muitos debatedores, o que limitou o tempo das exposições. Houve, inclusive, casos extremos de intervenções de somente 5 minutos. Qual a sua opinião a este respeito?
Paulino Cardoso - Parece-me que ocorreram muitas pressões para incluir todo tipo de gente, locais, nacionais, regionais e internacionais. Mesmo com a presença da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, não se conseguiu dar à II CIAD um papel de ponte entre intelectuais africanos e da Diáspora.

Ìrohìn – E em relação aos participantes de modo geral?

Paulino Cardoso – No Senegal, o número de participantes na CIAD foi menor do que em Salvador, mas também havia muita gente. A diferença é que, no Brasil, parece que muitas das pessoas que compareceram à Conferência não sabiam ao certo o que estavam fazendo ali. Louve-se que na II CIAD ampliou-se a presença da sociedade civil, mas perdeu-se o frenesi das discussões.

Ìrohìn – Politicamente, o que pode significar as ausências de intelectuais das Américas, em especial do Caribe e dos EUA?

Paulino Cardoso – Não saberia explicar os motivos dessas ausências, caberia perguntar se o governo brasileiro fez os convites. Mas posso avaliar que a perda foi grande, na medida em que não construímos politicamente uma posição da Diáspora a ser discutida com intelectuais e governos africanos. Fizemos contatos informais, mas não conseguimos construir uma plataforma mínima que norteasse nossas ações para o próximo ano.

Ìrohìn – E em relação aos intelectuais brasileiros?

Paulino Cardoso – Muitos intelectuais brasileiros ficaram de fora, outros foram convidados na última hora. Senti falta da presença, nas mesas, de alguns grandes nomes do Brasil. Aliás, esta situação desagradou o Consórcio de Neab’s, composto por núcleos presentes em 47 universidades públicas e privadas, distribuídas entre Pará e Rio Grande do Sul, do Mato Grosso ao Rio de Janeiro. Ao que parece, ainda é pequeno o reconhecimento por parte dos agentes públicos, ou aqueles que servem aos propósitos públicos, de um número expressivo de pessoas negras nas universidades do país, capazes de colaborar de forma diferenciada no debate de temas de interesse dos afro-brasileiros.

Ìrohìn – Professor, quais são as suas expectativas para o futuro sobre as relações políticas entre os países africanos e os que integram a diáspora africana?

Paulino Cardoso – Bem, tive a impressão de que os participantes não discutiram os pontos que realmente importavam. Muito das tensões políticas passaram despercebidas da maioria dos presentes. O ponto alto, por exemplo, devido à presença de instituições do Movimento Negro Brasileiro, foi a inclusão no relatório, ao que parece, de temas da nossa agenda política, entre eles, ações afirmativas no acesso e permanência de estudantes negros e negras na universidade pública.

Mas outros pontos importantes não foram discutidos, por exemplo, o que deve ser feito para a participação de intelectuais da Diáspora na União Africana? Como incrementar o intercâmbio acadêmico entre nossas instituições? Como os intelectuais da Diáspora podem contribuir para uma mudança de atitude de nossos governos em relação a temas de interesse das populações do continente africano? Como os intelectuais e governos africanos podem corroborar na intensificação de políticas de ações afirmativas que melhorem a qualidade de vidas dos afro-descendentes nas Américas e outras partes do mundo? Temos o desafio de colocar as relações internacionais na agenda das instituições engajadas na luta pela promoção de igualdade. Esperamos que algumas sementes se frutifiquem e que, na próxima conferência, provavelmente na África do Sul, os acadêmicos e acadêmicas negros, através da ABPN e do Consórcio dos Neab’s, tenham um papel político mais expressivo na organização e realização do evento.

diony@irohin.org.br

4.03.2006

 
A MÍDIA QUE NÃO OLHA PARA O NEGRO
A MÍDIA MÍOPE PARA AÇÕES AFIRMATIVAS


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por Oscar Henrique Cardoso(*)

Pensar em comunicar a sociedade brasileira sobre a necessidade de se discutir a ampliação das políticas de Ações Afirmativas é um desafio a todos àqueles que lutam pela promoção da Igualdade Racial no Brasil. Neste mérito, não podemos deixar de incluir a fundamental importância da mídia como uma formadora de opiniões e também transmissora de conhecimentos. Mas, sobre este tema tão importante, Ações Afirmativas, não é o que se vê na realidade.

Ao abrirmos um jornal pela manhã, folhear uma revista semanal, ouvir um noticiário no rádio ou na TV, não encontramos o tema Ações Afirmativas em uma pauta principal. É claro que estando próximo a mais um dia 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, toda a mídia procura as assessorias governamentais, grupos não-governamentais e militantes do Movimento Negro para ressaltar, como se faz todo o ano, a figura de Zumbi dos Palmares. Falamos de Zumbi herói, do Zumbi que lutou pela liberdade. De Zumbi que transformou Palmares em um sonho real de liberdade. Considero sim importante falarmos em história, mas por que também não falamos em realidade? Na realidade de um Brasil racista e excludente? De um Brasil onde um trabalhador negro ganha menos da metade do salário de um trabalhador branco. Por que não tiramos as vendas de nossa sociedade e não puxamos enfim, isso falo como mídia, um debate real sobre a implantação de políticas de Ações Afirmativas em nossa sociedade?

Serei mais ousado em minha proposta. Falar de cotas para a inclusão de negros nas universidades, ouvindo negros e negras que estudam, que trabalham, que pagam os seus impostos, não dá notícia? Não vende a primeira página de jornal? O que na realidade vende jornal? As notinhas implantadas dentro dos gabinetes governamentais de Brasília. Os mesmos fuxicos e boatos que o cenário político despeja todos os dias. E então quando se assiste a um telejornal de grande audiência no país e se vê uma discussão em torno da implantação de um sistema de cotas ser reduzida a um debate meramente político, onde não se ouviu os reais interessados no assunto, mas correntes opositoras à implantação do sistema, as quais não contribuem para uma iniciativa concordada pelo Estado Brasileiro.

Ao participar da Conferência de Durban, em 2002, o Brasil, cuja delegação foi a maior do planeta, composta por quase 500 membros, pactuou e concordou com a existência de uma política racista e discriminatória para com a fatia negra da sociedade, que representa mais de 45% dos brasileiros, de acordo com o IBGE. O que vemos hoje, a implantação do sistema de cotas para o ingresso de jovens negros nas universidades públicas não é um favor ou uma benemerência aos pobres negros sofridos que não podem pagar uma instituição particular. Também não é a prova de se permitir o ingresso de cidadãos com baixo poder intelectual nas universidades. O que vemos é o cumprimento de um compromisso internacional pelo qual o Brasil ratificou a partir da Conferência de Durban. Pergunto: Esse viés é explicado nas matérias jornalísticas que ouvimos e lemos? Não. Tudo é "massificamente" reduzido a uma questão de melanina e de pele.

Ou pior, ainda se ocupam os espaços midiáticos para declarar que o sistema de inclusão deveria ser aplicado aos mais pobres, como já ouvi, também deveria ter cotas para os brancos pobres.

Que horror. Que absurdo o nosso "espírito tupiniquim social". Não somos sociais e tampouco inclusivos, isso falo como jornalistas, em defender uma política de cotas sociais. O que o sistema propõe é uma reparação, provisória, de uma discrepância social. Afinal, e peço desculpa aos "pseudo não-racistas", a miséria e a pobreza tem cor, tem melanina sim. E é negra. São os negros que compõem o maior contingente carcerário, são os negros que morrem ainda de causas não identificadas e não estudadas pela medicina brasileira, são os negros que mais lotam as filas de desempregados, pois não são selecionados pela "boa aparência" descrita nas notas de jornal com vagas para emprego, são os negros que menos freqüentam os bancos escolares e, como conseqüência de tudo isso, são também os negros que menos tem acesso à universidade e a formação em profissões de linha de ponta na sociedade.

Isso a nossa grande mídia não fala. Dá publicidade ao crime organizado, mas não fala na real razão do crime, da exclusão e da miséria. Não fala que só se tira uma camada da pobreza e só se forma novos cidadãos através da educação. Educar também é oportunizar que jovens negros, favelados ou não, de classe média ou não, possam cursar uma faculdade. E implantar o sistema de cotas não significa tão somente dar espaço para que o mesmo curse uma graduação superior. É implementar também o acesso deste jovem a estágios e a programas que garantam a sua permanência nos bancos universitários. Isso é compromisso do Estado Brasileiro. Não é "pires e nem xícara na mão". Não estamos como negros pedindo nada. Pelo contrário, através da reparação afirmativa, estaremos sim construindo um Brasil mais plural, um país mais verdadeiro e mais honesto com a sua própria história. Um país que acolheu a todos os imigrantes e a todas as raças. Não um país que vendeu a sua melhor fatia aos europeus e deixou aos negros as sobras e os dejetos de uma burguesia.

Levar para a casa dos brasileiros a verdadeira realidade sobre a exclusão social e explicar a todos que a implantação do sistema de cotas como um conjunto de Ações Afirmativas para minimizar as desigualdades é compromisso da imprensa sim. Vender jornal e vender revista também é colocar a nossa "cara negra" na capa. Não com matérias que nos penalizem e só fiquem contando as mazelas pelas quais somos vitimados. Queremos compor os leads e subleads da informação com a real importância das Ações Afirmativas. A Lei 10.639, de 9 e janeiro de 2003, por exemplo, pode render uma bela reportagem de capa. Tem muito pequeno grupo, muita ONG trabalhando e ajudando o Estado a implantar o ensino da cultura e da história na sala de aula. Tem muito negro que se forma médico e está ofertando trabalho voluntário a quem precisa. Onde estão? Jornalistas e comunicadores, saiam de suas tocas, saiam de trás das mesas confortáveis das redações e busquem nas ruas os questionamentos que estou colocando neste artigo.

Saiam e vejam que a sociedade brasileira tem que implantar, por um certo período, as políticas de cotas para o ingresso de negros e negras nas universidades públicas, saiam para as ruas e vejam que o ensino da cultura e da história afro-brasileira tem que ser desmistificado nas salas de aula. Saiam as ruas e vejam que o povo negro está oprimido na favela e está refém dos esteriótipos que foram grudados em nossas cabeças.

O momento é de questionar e de passar a nossa história a limpo. Como jornalista, saúdo e reflito nosso importante papel na formação social deste país. Graças a nossa apuração, derrubamos um presidente corrupto - o mesmo voltou ao cenário político atual, pedimos Diretas Já. Ao mesmo tempo, somos incapazes de debater Ações Afirmativas com os nossos leitores. Somos incapazes de ouvir militantes do Movimento Negro, especialistas em Questão Racial. Somos incapazes de dar voz e vez aos negros e as negras que clamam, que cobram, que exigem cadeiras nas universidades públicas.

Somos capazes de denunciar, mas incapazes em revisar, em passar a limpo o racismo que existe em nossa sociedade. Jogamos esta "sujeirinha" para debaixo do tapete.

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(*) Oscar Henrique Cardoso, natural de Porto Alegre/RS é jornalista, radialista e atual assessor de Comunicação Social da Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, em Brasília/DF. È responsável pela execução de projetos em Comunicação Social junto ao Governo Federal, voltados para a cultura e a história afro-brasileira. Edita o Portal da FCP/MinC e o blog A CASA DO OSCAR, no endereço www.acasadooscar.blogspot.com

4.02.2006

 
O NEGRO NA MÍDIA

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Leslie Sedrez Chaves, pelotense, jornalista
formada pela Universidade Regional do Noroeste do RS
TCC: "O Negro no Telejornalismo Brasileiro"


“A primeira verdade que recebemos é a da infância, quando sentimos, mas não questionamos. A segunda verdade é a da revelação que dói, que choca, é a percepção de que nos impuseram uma grande mentira. A terceira verdade é aquela que está acompanhada da dignidade humana, é a verdade da transformação. É por esta terceira verdade que aqui estamos, queremos transformar a realidade em que sempre viveram os que sofrem discriminação.”
Senador Paulo Paim

INTRODUÇÃO

Desde o início do século passado a construção de uma identidade nacional tem inquietado a mente dos intelectuais brasileiros. A busca constante pela unidade da nação marcou o Brasil com um sinal indelével até hoje: o mito da democracia racial. A idéia de que o índio, o negro e branco unem-se harmonicamente para construir o país passou a ser difundida a exaustão. Entretanto, essa não é, nem nunca foi, a realidade.

O mito da democracia racial acaba levando consigo o conceito de que as desigualdades sociais e o preconceito racial inexistem. - Mais uma vez a afirmação é falsa. - O resultado é a constituição de um racismo escamoteado nessas premissas. Origina-se, assim, um preconceito tão arraigado na sociedade que atos como proferir ditados populares do tipo “negro quando não suja na entrada, suja na saída” não são considerados racismo. Atitudes como essa são vistas como naturais e, portanto, não ofensivas.

Nesse cenário entra o embate pela visibilidade e pelo espaço para a discussão sobre o racismo, o respeito e o reconhecimento do negro como construtor da história do Brasil. Entretanto, a discriminação racial não é um obstáculo simples de se transpor.

Diante desse fato, diversas iniciativas têm surgido com a tentativa de, pelo menos, levar o tema para o debate. Adoção de cotas para afro-brasileiros nas universidades e em diversos outros setores da sociedade através do Estatuto da Igualdade Racial, discussões dos cientistas em torno da existência ou inexistência de raças biologicamente definidas entre a espécie humana, obrigatoriedade do ensino de história da África nas escolas da rede pública e privada pela lei federal 10.639, concursos de beleza negra, lançamentos de filmes como Cidade de Deus e Filhas do Vento, releitura de novelas como a Escrava Isaura e Sinhá Moça, e produção de outras como Da Cor do Pecado, a entrada de um negro no rodízio de apresentadores do Jornal Nacional, a criação de um Núcleo de Comunicadores Afro-brasileiros, pesquisas e seminários discutindo a condição do negro na sociedade são algumas das formas de se trazer o tema racismo à tona. Ainda que algumas dessas ações reforcem estereótipos e não sejam tão bem sucedidas elas contribuem para o início do desvelar do racismo brasileiro.

Este artigo é derivado de uma pesquisa realizada para meu Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo. Menciono esse ponto porque acredito que o ambiente universitário é por excelência o lugar do questionamento, da pesquisa, da produção do conhecimento e revisão constante de conceitos. É ainda o lugar da construção de consciências, de visões de mundo, da formação de indivíduos que vão interagir com outros e transmitir o que aprenderam durante os estudos e vivências enriquecidas no período da faculdade. Portanto, é o momento e o habitat perfeitos dos debates de temas que ainda são problema para a sociedade.

A escolha do espaço midiático como ponto de vista para a análise da condição do negro veio da constatação de que a mídia, sobretudo a televisiva, desempenha um papel importantíssimo na formação dos indivíduos. A televisão é um dos fatores decisivos na construção de representações sociais e visões de mundo. Em um país que lê pouco como o Brasil a televisão ocupa a posição de meio único e absoluto já que os demais competem de maneira desigual. Eugênio Bucci constata esse quadro através dos dados.

“Publicam-se, por ano, no Brasil, menos de três exemplares de revistas por habitante (na França, só para comparar, esse número é da ordem de 40, segundo estatísticas da Federacion Internacional de la Press Périodique). Todos os jornais diários somados, que cresceram em circulação na última década, tiveram uma vendagem em 1999, de acordo com a Associação Nacional de Jornais, de 7,2 milhões de exemplares por dia (somadas aí bancas e assinaturas). O que é pouco quando se leva em conta o tamanho da população, que supera os 160 milhões de habitantes. De acordo com o Grupo de Mídia São Paulo, com base em pesquisa do Instituto Marplan Brasil, 98% da população entre 10 e 65 anos vêem TV pelo menos uma vez por semana e, sozinha, a TV atrai duas vezes mais público do que todos os meios impressos, aí computados também os livros, além de jornais e revistas. (BUCCI, 2000, p.9-10)”

A mídia, e em particular a televisão como meio hegemônico, acaba conferindo status de real ao que veicula. Encontra-se aí o ponto nevrálgico. Para introduzir o assunto um dado inicial: Em um país que possui praticamente metade de sua população formada por afro-brasileiros, um recente estudo do Ministério do Trabalho constatou que o percentual de jornalistas que se declararam negros não ultrapassou os 5% em nenhum estado. É importante lembrar que esse número não se refere especificamente aos profissionais que trabalham na televisão. Auto-estima, representação social, formação da identidade e outros aspectos são afetados por essa disparidade já que 50% da população, isto é, cerca de 80 milhões de brasileiros não se vêem representados na televisão.

RAÇA, RACISMO E COR

Recentes pesquisas científicas refutam a idéia da existência de raças entre a espécie humana. Outros estudos vão mais além e provam que características como a cor da pele e dos olhos ou as feições do rosto não são determinantes para a definição das “raízes genéticas” de uma pessoa.

Em janeiro de 2003 a revista da Academia de Ciências dos Estados Unidos publicou uma pesquisa liderada pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, sob o título “Cor e ancestralidade genômica em brasileiros”. Foram analisadas mais de 400 amostras de DNA e constatou-se que a cor da pele não revela o passado genético de um brasileiro. Para o geneticista biologicamente não existem raças. E ainda, a pesquisa de Sérgio Pena apontou que os brancos brasileiros têm mais genes de origem negra do que aparentam e que o contrário também é verdadeiro.

“Nosso estudo mostrou que entre indivíduos auto-considerados brancos no Brasil, existe uma proporção muito elevada de genes africanos. Essa proporção varia de acordo com a região geográfica do país, sendo mais alta no Sudeste e no Nordeste, onde ela atinge mais ou menos 30%. Como sou um indivíduo branco do Sudeste, provavelmente entre 20% e 30% do meu genoma tem origem africana. Isso é uma média. É claro que se meus pais fossem alemães, isso não se aplicaria a mim. Mas, como eu tenho uma herança típica de brasileiro, gente que veio de Portugal há muito tempo, está dentro do que eu esperava. Meu cromossomo Y (sempre herdado do pai) é europeu e meu DNA mitocondrial (herdado da mãe) é ameríndio. O que nossos estudos mostram é que praticamente todo o brasileiro é afrodescendente - com poucas exceções, que são imigrantes até a segunda ou a terceira geração. (revista Galileu fev 2003 pág 35)”.

O geneticista Sérgio Danilo Pena propõe ainda uma correção no termo “etnia” definido pelo dicionário Aurélio como grupo homogêneo. Na opinião do cientista não existe um grupo homogêneo no mundo. Isso porque, de acordo com seus estudos, a variabilidade genética dentro de “uma etnia” é muito maior que “entre etnias”. Pena cita também outra pesquisa que confirma essa teoria.

“Existe muito mais variabilidade “dentro” dos grupos populacionais do que “entre” os grupos. Um estudo que saiu em dezembro na revista “Science” mostrou que entre 93% e 95% da variabilidade genética se encontra dentro dos grupos geográficos. A diferença entre os grandes grupos analisados é só de 3% a 5%. (revista Galileu fev 2003 pág 35)”

Em sua edição do mês de novembro de 2004 a revista Ciência Hoje também trouxe a discussão sobre a existência de raças entre os seres humanos. Para o pesquisador do departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Franklin Rumjanek, essa temática é mais polêmica do que parece e não se explica através da biologia.

“Não há uma definição precisa, particularmente tratando-se de humanos. Do ponto de vista formal, uma raça poderia ser considerada como uma subespécie, o que pode ser frouxamente explicado como um grupo de indivíduos da mesma espécie que apresentam características semelhantes. Isso pode incluir cor da pele, estatura, grupos sangüíneos etc. Nos animais domésticos, a distinção de raças é mais óbvia porque existe aí a seleção artificial. Criadores isolam cães, gatos, bois, cavalos e aves e dirigem seu acasalamento, o que leva, após algumas gerações, a grupos, as raças, que, embora diferentes na aparência, ainda mantêm uma identidade genética muito grande. Tanto que não existe uma barreira reprodutiva entre elas.
Nos seres humanos, não sujeitos à seleção artificial, as diferenças genéticas são ainda mais discretas. O estudo de diversos marcadores genéticos já deixou claro que de fato há poucas diferenças entre os indivíduos oriundos de etnias bastante distintas, como por exemplo, entre populações estáveis separadas por continentes. Em média essas diferenças ficam em torno de 4% do DNA.
(Franklin Rumjanek)”

A comprovação de que biologicamente não existem raças deveria encerrar os conflitos e as discussões acerca do racismo. Entretanto, o problema persiste e características referentes ao fenótipo dos indivíduos, ainda que não sirvam para distribuir cientificamente os humanos em grupos, continuam sendo fator de segregação.

“O nosso estudo mostrou que as distinções entre europeus, africanos e ameríndios tendem a desaparecer. Só que no Brasil isso ocorre debaixo da pele, mantendo ainda uma estratificação com relação à cor. Isso porque existe o que nós chamamos de casamento assortativo, que é o indivíduo procurar uma pessoa que tem uma cor parecida com a dele. Se isso não acontecesse no Brasil, você esperaria que não houvesse mais indivíduos negros ou brancos, porque o grau de mistura genômica implica que isso não deveria ocorrer. (revista Galileu fev 2003 pág 36)”

Os termos raça e cor ainda se confundem. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, por exemplo, trabalha em seus questionários com o termo “raça” para questionar os entrevistados.

“Biologicamente não existem raças humanas, portanto, a definição do IBGE é uma definição de cor, não é de raça. Mas isso não quer dizer que o racismo não exista. O racismo depende da percepção de que raças existem. Não acho que o critério de classificação do IBGE tenha que mudar, mas trabalhar com a percepção do fenômeno cor é importante. Quando há mudanças no número de indivíduos que se declaram pretos, brancos ou pardos, isso reflete fenômenos sociais. Nos últimos censos, por exemplo, o número de pretos ficou entre 5% e 7%. Se eu fosse usar uma classificação objetiva, provavelmente diria que é mais do que isso. Pela classificação que nós usamos (o estudo avaliou a cor do braço de voluntários) em 170 indivíduos, 30 (18%) eram pretos. Isso significa que os indivíduos não querem assumir o rótulo de pretos – o IBGE usa a palavra preto. (revista Galileu fev 2003 pág 34)”

Para os que insistem na definição de raças humanas, o pesquisador da UFRJ, Franklin Rumjanek, acredita que através de uma análise de dados até seria possível a divisão dos humanos em grupos já que um gene pode definir algumas diferenças fenotípicas marcantes.

“Sabemos que bastam poucos genes para determinar grandes diferenças – como evidenciou a recente comparação dos genomas de chimpanzés e humanos. Portanto, os 4% de diferenças entre etnias humanas seriam mais que suficientes para formar conjuntos distintos, que poderiam ser chamados de raças. Nesse contexto, pode-se elaborar regras que sirvam para distribuir os humanos em categorias diversas. Por exemplo, aproveitando a existência dos bancos de dados de marcadores genéticos, é possível programar computadores (que não são preconceituosos) para separar os indivíduos em grupos comparando tais dados. Se instruirmos o computador a separar a população mundial em, digamos, três grupos, ele o fará e produzirá três grandes raças, ou subpopulações, cujas diferenças serão absolutamente genuínas. Se pedirmos cinco grupos, o computador prontamente estabelecerá que o mundo é constituído de cinco raças humanas, e assim por diante. (Franklin Rumjanek)”

Entretanto, isso ainda não esgota a questão. Rumjanek consulta a antropologia e a sociologia e defende que seria possível a divisão dos seres humanos em grupos culturais e não baseados nos traços genéticos.

“Sempre buscando a concepção de raça, abandonemos a genética e voltemo-nos para o ambiente. Será possível dividir as populações com base em características culturais? Definitivamente, sim! Os antropólogos afirmarão que as culturas são até mais resistentes às mudanças do que os próprios genes. Estudos recentes mostraram que, em nível global, há muito mais miscigenação do que homogeneização cultural. Basta lembrar que a distância entre Reino Unido e França, de 34 km, não diluiu a profunda diferença cultural entre as duas nações, mesmo na época atual, de intenso tráfego. Assim, a visão de um mundo dividido em raças culturais também procede. (Franklin Rumjanek)”

Depois de oferecer essas “alternativas” para os que acreditam na existência de raças humanas, Rumjanek chega ao ponto crucial no debate.

“Podemos prosseguir indefinidamente escolhendo ora um critério, ora outro, e em todos os casos teremos argumentos convincentes. Percebe-se, desse modo, que o conceito de raça é eminentemente arbitrário. A preocupação com sua definição talvez decorra mais de um uso político do que da pesquisa da entidade biológica em si. (Franklin Rumjanek)”

Esse fato marca a percepção política e excludente que a sociedade brasileira tem em relação a certas características fenotípicas, principalmente cor da pele. Essa acaba influenciando e, muitas vezes, sendo decisiva na posição dos indivíduos em alguns setores da vida humana. Muniz Sodré também retrata o lugar e a importância da identificação da cor no Brasil.

“Mais do que branco e negro, claro e escuro são termos de amplo trânsito no modo de identificação popular das diferenças fenotípicas, isto é, da cor da pele. Não se pode ocultar sob o bom–mocismo do Esclarecimento e do Progresso globalitários a reiterada importância social dessas distinções. Em torno destas, mantêm-se privilégios de classe social, levantam-se barreiras imigratórias, legitimam-se discriminações alfandegárias, construíram-se e constroem-se identidades culturais ou nacionais. (SODRÉ, 1999, p. 9)”

RACISMO E FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA

A cultura nacional nasce da transplantação de uma cultura lusitana para o Brasil através da colonização. Os portugueses estabeleceram a língua e criaram as primeiras instituições, as escolas. Quanto ao choque que a cultura européia sofreu com a cultura indígena e africana os jesuítas foram os encarregados de amenizar possíveis conflitos. Nas mãos dos jesuítas estava a missão de impor padrões culturais e religiosos aos índios e negros. Apesar da imposição dos jesuítas, os padrões europeus acabaram sofrendo influências dos indígenas e africanos. Esse fato acabou gerando uma arquitetura diferenciada e uma religião mais festiva.

“A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizam plenamente (RIBEIRO, 1995, p. 20).”

Então, a cultura brasileira tem particularidades em relação à cultura lusitana. Tais traços distintivos se devem à cultura indígena, já presente no Brasil, e à cultura africana capturada junto com os negros. No entanto, isso não lhe confere uniformidade. Nas palavras de Darcy Ribeiro, três forças atuaram na diversificação da cultura brasileira. A primeira delas é a ecológica, dada a grandiosidade do território brasileiro que apresenta distintas condições de meio ambiente. Obrigatoriamente são necessárias adaptações regionais. A segunda força diversificadora é a econômica, a qual à medida que apresenta formas diferenciadas de produção cria novos “gêneros de vida”. A terceira e última força diz respeito às imigrações principalmente de europeus, árabes e japoneses que acabaram por “estrangeirar” alguns brasileiros ao criar novos modos de viver onde se concentraram.

Após o advento da República em 1889, o movimento modernista, em 1922, trouxe a preocupação com a identidade nacional do Brasil. Intelectuais e artistas como Euclides da Cunha, Aluísio Azevedo, Lima Barreto, entre outros, foram os primeiros a explorar tentativas de compreender a pobreza, a exclusão social, as contradições da corte imperial e os impasses a ser enfrentados pela República diante de tantos problemas sociais. No clima dessa discussão é realizada a Semana de Arte Moderna. O movimento Modernista, resultado dessa efervescência, discute a questão do nacional sob outro ponto de vista. O debate agora gira em torno da relação entre cultura estrangeira importada e brasilidade. Oswald de Andrade anuncia seu Manifesto Antropofágico, a proposta era “digerir” a cultura européia e trazê-la para a realidade brasileira. O resultado seria uma arte verdadeiramente brasileira e não uma cópia da arte européia.

A década de 30 continuou sendo pontuada pelo desejo de unidade nacional. Uma marca significativa desse período foi a criação do mito da democracia racial. Passou a ser difundida a idéia de que o índio, o negro e branco se unem harmonicamente para construir o Brasil. Entretanto, essa não é a realidade. São impossíveis de apagar as mazelas decorrentes de um longo período de colonização européia, escravização dos negros e índios (posteriormente exterminados), e conseqüente estratificação social.

“O povo-nação não surge no Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso. Surge. Isto sim, da concentração de uma força de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. Nessas condições, exacerba-se o distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico-cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático. (RIBEIRO, 1995, p. 23)”

O processo de construção da cultura brasileira traz em suas bases a dominação, a desigualdade e o racismo. Visto como ingênuo, preguiço, incapaz, etc. o índio foi escravizado, dominado pelos jesuítas através da catequização, ou exterminado ao se opor ao imperialismo capitalista. O índio foi o primeiro a sofrer com o racismo que mais tarde também vitimou o negro. Trazido para o Brasil como mercadoria o negro africano não tinha o direito nem de possuir alma. Após 1888 o negro passa a existir como “cidadão”, mas ainda é visto como um ser inferior. Segundo alguns intelectuais da época, como Sílvio Romero, a solução para o “problema” estava no branqueamento gradativo da população através da imigração que poderia possibilitar a eliminação de características étnicas inferiores e indesejáveis procedentes da mestiçagem.

A fábula das três raças vem com o objetivo de encobrir o racismo. No entanto, o motivo que move a criação desse mito não é tão nobre ou inocente.

“O projeto capitalista em andamento exigia um pacto social. O mestiço passa a ser visto como elemento positivo. O mito das três raças veio a ser o modo de diferentes raças (e classes) interpretarem a realidade de suas próprias relações raciais. Através desse mito, todos puderam ver-se como nacionais e a escamoteação da realidade das relações raciais encobriu, na verdade, a luta de classes. A ideologia da harmonia racial articulou-se com as ideologias do pacifismo e da cordialidade do homem brasileiro. Dissolvendo num todo identidades próprias de raça e de classe, forjou-se um modo de pensar o Brasil que serviu a um determinado projeto capitalista num determinado momento histórico. (LOPEZ, 1988, p.50)”

Um dos principais problemas que o mito da democracia racial trouxe é a resistência em se discutir o racismo. A maior parte da sociedade aceitou a idéia da harmonia entre as três raças como verdadeira. O Brasil é considerado o país da democracia racial e falar em racismo torna-se absurdo. A questão do racismo só volta a ser discutida na década de 70 quando o movimento negro começa a se articular e ganhar mais força. Ainda assim os espaços para problemática racial são reduzidos, pois não há mais o conflito direto.

“É muito complicado definir o racismo brasileiro porque ele nega que exista racismo no Brasil. As definições mais comuns de racismo, como nos Estados Unidos ou na África do Sul, não se aplicam muito ao Brasil, porque aqui não existiram leis de segregação racial explícitas. E geralmente chamamos de racista a sociedade que tem leis claras de segregação – escolas para brancos, escolas para negros; ônibus para brancos, ônibus para negros. Temos que entender o racismo aqui de um outro modo. É um modo sistemático de discriminação dos negros, com desvantagens no emprego, na escola, no acesso à moradia, na saúde. O racismo é essa desvantagem, constante, crônica, da população negra, perpetrada pela população branca, mas que não se apresenta como tal, porque os brancos dizem que o Brasil é um país integrado. (José Jorge de Carvalho)”

A maior parte da população afro-descendente continua vivendo em condições precárias e com pouca ou nenhuma chance de ascensão social. Por outro lado, a sociedade acabou aliando costumes culturais e religiosos do negro. “Daí afirmamos que (in spirit) os afro-brasileiros foram incorporados na sociedade brasileira, gerando assim um sentimento de integração”.(MARTINS pág 14) É esse sentimento que não permite a associação entre a condição social do negro e o “modelo de exclusão baseado na idéia de raça”.

“A visão de um sistema justo etnicamente persiste. O que há, para a maioria das pessoas, são indivíduos e eventos que fogem a essa regra. Isso faz com que o racismo no Brasil seja extremamente cruel. Não se consegue perceber que ele já está internalizado nas pessoas, já está introjetado em práticas vistas como normais, como, por exemplo, apelidar uma criança de “macaco” (OLIVEIRA, 2001, p. 8).”

RACISMO E MÍDIA

Os negros trazidos para o Brasil não aceitaram a subserviência aos portugueses e à aristocracia brasileira. Nascem os quilombos que abrigavam os negros fugitivos do cativeiro, índios e brancos pobres. As constantes fugas e revoltas atrapalhavam o objetivo dos portugueses que era a obtenção de uma mão de obra imediata. Através da dominação física e de um discurso social e psicologicamente depreciativo o negro foi inferiorizado. Apesar de haver resistência, em geral a vitória mais significativa dos dominadores foi fazer os negros acreditarem que eram inferiores. A situação precária em que vivia o escravo se mantém mesmo depois da abolição.

“A república proclamada (1889), por sua vez, não previa nenhum mecanismo de incorporação do ex-escravo ao regime baseado no ideário liberal. Na nova ordem, controlada por oligarquias regionais, a maioria populacional ficava sistematicamente excluída do processo eleitoral, o que eliminava as chances de representatividade política das camadas subalternas, onde predominavam os negros (SODRÉ, 1999, p.239).”


Os “lugares para brancos” e “lugares para negros” são bem definidos. Até hoje há resquícios dessa inferioridade introjetada pelos senhores tanto nos negros quanto na sociedade branca em geral.

“O Brasil colonial irá delinear com exatidão os lugares do branco e do negro. Tais lugares psicológicos e sociais serão determinantes para a história da mentalidade do homem brasileiro de hoje. Mesmo quando foi dada a liberdade aos escravos estes lugares estão de tal forma fixados no inconsciente coletivo que se projetarão por toda a história do Brasil. Por motivos econômicos o negro se fixará nas periferias, favelas, palafitas... (PASSOS JÚNIOR, 1996, p. 66).”

O fato de um indivíduo ser negro passa a definir antecipadamente que espaços essa pessoa pode ou não ocupar, quais são adequados ou não que ela se coloque.
“Conceituar o lugar histórico-social-psicológico do negro é tentar vislumbrar em meio a mais densa névoa uma experiência humana de se “ter” negritude na pele e ser marcado por isso
(PASSOS JÚNIOR, 1996, p. 71).”

Se não é em condições no mínimo dignas na sociedade, atualmente o “lugar” do negro também não é na mídia. Recentes estudos comprovam esse fato.

De acordo com uma pesquisa realizada no ano de 2002 pelo IBGE e publicada pela Revista Imprensa de agosto de 2003, trabalhadores negros e pardos tendem a ganhar metade do que recebem os brancos. Quando se fala em concentração de renda do 1 por cento mais rico da população, 88% são brancos. Já dos 10% mais pobres, 68% são negros ou pardos. Outro indicador também aponta um abismo entre o nível de escolaridade de negros e brancos. Entre pessoas que têm de 20 a 24 anos a porcentagem de brancos que cursam universidade é de 54%. Esse percentual cai para 15,8% quando se trata de negros e pardos. Outro estudo realizado no ano 2000 pelo Ministério do Trabalho revelou a proporção de jornalistas empregados, em função do perfil racial. Em nenhum estado o percentual de jornalistas que se declararam negros ultrapassou os 5%. A maior concentração de jornalistas negros é observada nos estados Norte e Nordeste, áreas onde historicamente havia mais mão-de-obra escrava durante a colonização. Considerando-se os entrevistados que se declararam pardos o número de jornalistas que se incluíram nesse grupo é maior, entretanto, a maior participação ainda continua sendo a de profissionais brancos, com pequenas exceções.

A desigualdade e a discriminação não só é expressa nos postos de trabalho como também aparece nos discursos sociais.

“...os discursos sociais – manuais escolares, diálogos socializantes (pais/filhos, professores/estudantes), programas de radiodifusão, textos jornalísticos, pronunciamentos parlamentares, etc. – desempenham um papel central tanto na produção quanto na reprodução do preconceito e do racismo. Desses discursos provêm os modelos cognitivos e as atitudes relativos às minorias de qualquer natureza, especialmente os negros na sociedade “clara” do Ocidente (SODRÉ, 1999, p. 242).”

Esses discursos têm diversas formas de agir na sociedade em um sentido coletivo e também individual.

“...o discurso atua nos níveis micro e macro, assim como nos registros da interação e da cognição. A mídia funciona no nível macro como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais, em geral estruturadas por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira ou de outra, legitima a desigualdade social pela cor da pele (SODRÉ, 1999, p. 243).”

O discurso midiático não foge à regra e acaba por sustentar o preconceito racial.

“Com referência ao negro, a mídia, a indústria cultural, constroem identidades virtuais a partir, não só da negação e do recalcamento, mas também de um saber de senso comum alimentado por uma longa tradição ocidental de preconceitos e rejeições. Da identidade virtual nascem os estereótipos e as folclorizações em torno do indivíduo de pele escura (SODRÉ, 1999, p. 246).”

Quando se fala em identidades o papel que os discursos midiáticos têm desempenhado torna-se motivo de preocupação. Isso porque em um país como o Brasil onde se desenvolve uma forte cultura televisiva, sem dúvida, a mídia é também, em grande parte, formadora da identidade do espectador.

“A palavra (identidade) vem de idem (versão latina do grego tó auto, “o mesmo”), que resulta no latim escolástico em identitas, isto é, a permanência do objeto, único e idêntico a si mesmo apesar das pressões de transformação interna e externa. Dizer identidade humana é designar um complexo relacionamento que liga o sujeito a um quadro contínuo de referências, constituído pela interseção de sua história individual com a do grupo onde vive. Cada sujeito singular é parte de uma continuidade histórico-social, afetado pela integração num contexto global de carências (naturais, psicossociais) e de relações com outros indivíduos, vivos e mortos. A identidade de alguém, de um “si mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento de um “outro”, ou seja, a representação que o classifica socialmente (SODRÉ, 1999, p.33-34).”

A medida que define “posições” sociais, quem é quem, o que é ou não adequado etc., a mídia, seja através do rádio, do jornal impresso ou da televisão, influencia na forma de agir e pensar das pessoas, cria conceitos. É evidente que os espectadores não são robôs comandados pelos mass medias, entretanto, o bombardeio diário de informações acaba por tornar “naturais” algumas idéias as quais passam a ganhar status de reais.

“Assim a televisão, este eletrodoméstico que abre “uma janela para o mundo”, que é o “espelho da realidade”, “a telinha que produz e reproduz significados”, entre outras metáforas popularizadas para explicá-la, precisa ser vista para além da noção de um meio puramente técnico de comunicação. É impossível negar que ela seja tudo isso, mas é essencial que seja vista fundamentalmente como uma instituição social significante, que necessita ser compreendida como parte orgânica da sociedade e da cultura contemporâneas e não como um elemento que paira no ar, manipulando a tudo e a todos (JACKS, 2001, p.14).”

A questão da identidade se liga intimamente ao conceito de representação social.

“A questão central que a teoria das Representações Sociais quer responder é: por que realmente as pessoas fazem o que fazem? Por que as pessoas compram, votam, se reúnem? Por que as pessoas desempenham tais ou tais ações, em vez de outras? Essa teoria argumenta que por detrás dessas ações, e fundamentando as razões por que as pessoas fazem o que fazem, está uma representação de mundo, que não é apenas algo racional, cognitivo, mas que é muito mais que isso: é um conjunto amplo de significados criados e partilhados socialmente. É todo um sistema de crenças e valores que todos possuímos e que não é apenas individual, mas é também social (GUARESCHI, 2000, p.70).”

Pedrinho Guareschi cita os estudos de Moscovici e de outros teóricos sobre o assunto para comprovar que as pessoas agem e se comportam de acordo com a representação que os diferentes grupos sociais, segmentados de acordo com determinados critérios políticos, religiosos, econômicos, etc., que possuem, criando o que o autor chama de “muros da representação”, os quais, muitas vezes, parecem intransponíveis. A discriminação racial pode ser considerada um desses “muros” bastante difíceis de se desconstruir.

O MURO ALTO

O racismo velado existente no Brasil estabelecido através do mito da democracia racial criou barreiras sólidas que permitem até classificar como supérfluo o debate acerca da discriminação, do preconceito, e da busca, ou apenas questionamento, do espaço que cabe ao negro na sociedade.

Acontece com os negros o mesmo que a pesquisadora francesa Denise Jodelet demonstrou em seu estudo sobre a Representação Social da Loucura. A pesquisadora estudou o comportamento dos habitantes de aldeias em relação aos “doentes mentais” que através de uma campanha feita por psicólogos, políticos e agentes sociais voltaram a viver com famílias e grupos. Jodelet percebeu que apesar da campanha as pessoas não modificaram seu comportamento em relação aos “doentes mentais” mesmo permitindo a volta deles à comunidade.

“Elas continuaram com todos os estereótipos, discriminações e rejeições que possuíam antes. As famílias, por exemplo, lavavam a roupa dessas pessoas separadamente, lavavam talheres à parte, não se relacionavam mais intimamente com eles, com medo de contaminações, doenças etc. que os hóspedes poderiam transmitir. Ela (Jodelet) demonstrou com isso que os “muros das representações sociais”, são bem mais poderosos que os muros de pedra dos manicômios. De nada adianta derrubar os muros físicos, se continuam os muros mentais, simbólicos, afetivos, míticos etc. que separam as pessoas; os comportamentos e as práticas continuam iguais, ou até piores.
Essa é a força e a importância da representação social. Nosso pressuposto é de que o que comanda, verdadeiramente, as ações das pessoas é a representação social que as pessoas possuem.
(GARESCHI, 2000, p.10)”

É exatamente o mesmo tratamento à que o negro foi e é submetido. A “pseudo-abolição” da escravatura foi assinada. Perante as leis, desde 13 de maio de 1888 o negro não é mais escravo, entretanto, se perpetuam há mais de um século, as folclorizações, os estereótipos e a discriminação em torno dos “indivíduos de pele escura”. A Representação Social do negro foi construída pelo passado escravocrata e é confirmada pela exclusão social que ratifica o “lugar do negro” e o “lugar do branco”.

“Pode-se dizer assim que as RS (Representações Sociais) são realidades “sociais” e culturais, e não apenas meras produções simbólicas de indivíduos isolados. Elas são um “ambiente”, como diria Moscovici. As RS existem tanto na cultura, como na mente das pessoas. Elas não poderiam existir sem serem coletivamente percebidas e sentidas. Elas expressam e estruturam tanto a identidade como as condições sociais dos atores que as reproduzem e as transformam.
Mas ao mesmo tempo as RS são geradas nas práticas comunicativas do dia a dia. Elas estão inseridas num estoque de conhecimento social limitado historicamente. Existe uma “tensão” entre o pano de fundo histórico comumente partilhado, e sua diversa interação cotidiana de pessoas que podem construir e compreender (interpretar), inventar e transformar. Contudo, os atores sociais não encontram um contexto vazio esperando ser preenchido. Toda sociedade tem a força de reunir e transmitir não apenas descrições, mas também prescrições ligadas ao um tempo histórico.
(GUARESCHI, 2000, p.76)”

Reside aí a explicação do porquê de o mito da democracia racial ser tão danoso à sociedade, em especial aos índios e negros. A tentativa dos modernistas de formar uma identidade nacional do Brasil, um país de dimensões e diversidade continentais não se tornou uma realidade. O mito da democracia racial apenas foi mais um elemento acrescido no “ambiente” da Representação Social junto aos elementos históricos já existentes acerca da imagem do negro. O resultado da incorporação desse novo fato é justamente o racismo velado tão característico do brasileiro. Longe de ser violento como na África do Sul e nos Estados Unidos, o racismo brasileiro está também distante de acabar e dar lugar à “confraternização das raças”, ao “país sem preconceitos”.

“O preconceito racial no Brasil não exclui propriamente. Simplesmente não inclui. Aqui está a “fineza” de nosso Apartheid: não é excludente, simplesmente porque não deixa o negro entrar. Na velha fazenda do açúcar o negro não tinha a necessidade de ser posto fora da casa, porque simplesmente não tinha entrado. (PASSOS JÚNIOR, p.75)”

Assim também se explica a resistência em se debater o tema racismo. Não se proíbe, porém simplesmente o assunto é “esquecido”, pois na maior parte das vezes é considerado superado e, conseqüentemente, supérfluo. Os que ousam tocar nessa temática geralmente são tachados de radicais ou racistas. Essa posição também é reforçada por outra prática no Brasil, um país onde a miscigenação diversificou as características de sua população. Segundo a experiência e os estudos do professor do curso de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Iosvaldir de Bittencurt Jr, é muito comum se restringir a discussão sobre preconceito racial à cor da pele e às características físicas das pessoas e também à posição que a mesma ocupa na sociedade.

“Existe um processo que emana do universo social eurocêntrico que é a idéia de manter aquela leitura do gradiente de cor, ou seja, se reduz o debate a uma questão fenotipíca. As pessoas não te identificam como negro. É sarará, sarará claro, é moreno, é mulato quando na verdade as pessoas são negras. Isso acontece devido à existência de diversas formas de ser negro, tanto no sentido cultural simbólico quanto na questão da fenotipia. Então, por parte do universo branco, europeu, ou de segmentos não negros da população há uma postura de desconstruir o outro. Eu ouvi diversas observações nesse sentido mesmo sendo negro e me reconhecendo negro. (Iosvaldir de Bittencurt Jr.)”

O conhecimento e a interpretação crítica da verdadeira história do Brasil, o entendimento da formação da cultura brasileira, a construção de uma identidade e, conseqüentemente, a compreensão da situação do país hoje, são deixados de lado ou simplesmente limitados à definição do tom de pele.

Neste contexto a mídia tem também tem feito a manutenção do preconceito racial. A mídia reproduz as idéias de uma elite majoritariamente branca que é proprietária dos meios midiáticos.

“É que a mídia desenvolve-se aqui (e também em muitos outros países, vale sublinhar) como um bem patrimonial – os sujeitos econômicos da indústria da informação e do imaginário são predominantemente famílias. A reconhecida especulação de Habermas, no sentido de uma “refeudalização” da esfera pública pela mídia contemporânea (criação publicitária de uma aura mítica em torno das figuras de autoridade), tem aqui o sentido acrescido: os canais de transmissão constituem verdadeiros “feudos” econômico-jurídico-político-ideológicos de elites patrimoniais. (SODRÉ, 1999, p.243)”

A mídia acaba por refletir esse caráter mercantil da elite que a detém não se envolvendo em questões que possam contribuir de forma mais efetiva para uma afirmação da verdadeira identidade do país.
“A mídia é o intelectual coletivo desse poderio, que se empenha em consolidar o velho entendimento de povo como “público”, sem comprometer-se com causas verdadeiramente públicas nem com a afirmação da diversidade da população brasileira. O racismo modula-se e cresce à sombra do difusionismo culturalista euroamericano e do entretenimento rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais do espetáculo. (SODRÉ, 1999, p.244)”

Assim, a verdadeira imagem do país, com sua diversidade, seus problemas e seu povo, é remontada conforme os interesses e a cultura de poucos, isto é, dos que estão no poder. Essa falsa identidade nacional é transmitida pela mídia, principalmente pela televisão um dos veículos de maior penetração na sociedade brasileira e que confere uma significativa carga de veracidade ao que está comunicando.

“Se são muitas as identidades nacionais, nem todas passam na TV – é preciso afirmar de saída. Os diversos atores sociais nem sempre surgem como protagonistas, vivendo as suas próprias histórias e proclamando os seus próprios valores culturais. A televisão brasileira, assim como o próprio país, é controlada por uma elite majoritariamente branca, radicada na região Sudeste, mas exógena, voltada para a Europa e os Estados Unidos, de onde acredita provirem todo o progresso e a civilização que a espécie humana pode almejar. Essa elite, que vive de costas para o restante do Brasil, cria a sua peculiar imagem do país, quase sempre folclorizando e discriminando índios, negros e asiáticos, pelo ângulo racial; mulheres e homossexuais, pelo ângulo do gênero; e nordestinos e nortistas, pelo ângulo geográfico. A sua televisão cria e impõe uma determinada noção de identidade nacional, enquanto impede o livre acesso à tela, para a afirmação de outras identidades, contrastantes, divergentes. (PRIOLLI, pág 15)”

OS MURO INTERNOS

O “branqueamento da mídia” pode ter resultados desastrosos para a formação da identidade dos indivíduos, principalmente dos negros.

“Para o psicólogo e pesquisador Ricardo Franklin Ferreira, a presença dos negros na TV é fundamental para a construção de uma imagem de si mesmo. "Enquanto as crianças negras continuarem tendo somente mulheres brancas e loiras como conceito de beleza, como a Xuxa, elas terão dificuldades em aceitar suas qualidades", afirma. É o que Araújo chama de "ideologia de branqueamento", presente na televisão brasileira. (RIGHETTI, 2003)”

O senador Paulo Paim, muito ligado às questões que dizem respeito à luta contra o preconceito, discriminação e desigualdade raciais, é um dos idealizadores do Estatuto da Igualdade Racial. O senador compartilha do pensamento de que a construção e afirmação da identidade do negro ficam comprometidas quando não há referenciais nos meios de comunicação e nos diversos setores da sociedade brasileira.

A grande questão é a auto-estima das crianças negras. Uma auto-estima baixíssima por não acreditar que a beleza seja um atributo que lhe caiba. Elas não conseguem vivenciar a sua estética de forma plena e com olhar permanente. E aí eu pergunto: até que ponto a mídia contribui pra esse tipo de padrão que não corresponde à realidade brasileira? Afinal os dados do IBGE mostram que nós somos cerca de 50% da população desse país.

Eu fico muito triste quando vejo uma criança negra perdida diante da sua própria imagem porque ela cresceu aprendendo que ser branco é mais correto, é mais bonito. Desta forma acaba por desejar ter nascido branca, muitas vezes renegando sua cor como se ela fosse um defeito e sentindo culpa por esse defeito. O pior de tudo é que ela ás vezes na subconsciência acaba entendendo que esse é um caminho sem volta. Está aí a importância de a criança negra entender que ela é bonita, é competente e pode chegar aonde todos chegam como eu cheguei, por exemplo. Eu sou um homem negro, sou vice-presidente do senado e sofri todas as discriminações que tantos outros sofreram.
(Paulo Paim)”

Quando se fala em auto-estima é relevante lembrar que a televisão e a “realidade” fragmentada e pré-definida que essa forma de mídia traz já se configura como um meio importante no processo de formação dos indivíduos. Isto é, não mais apenas a escola tem o papel de educar, a televisão agora tem parte significativa nesse processo.

Hoje essa realidade é atravessada pela presença dos meios de comunicação. A condição de educar é própria da natureza desses meios, cada vez mais desenvolvidos tecnologicamente, o que lhes permite estar em muitos espaços ao mesmo tempo. Eles ocupam lugar privilegiado no processo educacional, ao lado da escola, da família e de outras agências de socialização. Mostram às pessoas os fatos já editados, redesenhados, como se fossem a “realidade”. (BACCEGA, 2000, p. 96)”

Essa é uma das razões que torna urgente a inserção do negro nos espaços midiáticos, principalmente na televisão. Se faz necessário que a “realidade verdadeira” seja mostrada.

Dar visibilidade ao negro é uma das principais armas para desvelar e lutar contra o preconceito seja na mídia ou em qualquer outro setor de uma sociedade em que cerca de 50% dos seus cidadãos são afro-descendentes. Entretanto, a visibilidade referida aqui vai além do simplesmente aparecer, chega ao plano da consciência, do senso crítico, que permitirá a desconstrução de uma idéia, de um “pré-conceito” o qual ainda está no imaginário das pessoas e continua sendo reforçado pela mídia.

“Quando a mídia recicla imagens em geral trabalha com imagens prontas, acabadas, seriam os estereótipos. Ela não cria imagens realmente novas, mas capta representações sociais que são simplificações de uma realidade muito mais complexa. Para facilitar o entendimento se reduz essa complexidade a fórmulas adaptadas ao senso comum para todos compreenderem. Quando se trata, no espaço público, de lutar por representação e visibilidade a construção e a veiculação de imagens afirmativas e positivas é um ato político, mesmo que elas ainda não aconteçam no real histórico. Por quê que não pode ter um ator negro representando o presidente da república? Por quê não se apresentam mais jornalistas negros nas redações e televisões? Eu acredito que a visibilidade hoje é política, estar no espaço público e ser visto no espaço público é um ato político. E isso não foi inventado agora, vem desde os tempos dos gregos em que o escravo, o estrangeiro e a mulher não podiam ser cidadãos. Como diziam Aristóteles e Platão, eles pertencem à ordem da invisibilidade. Isso quer dizer que esta questão da relação entre política e visibilidade acompanha a história do ocidente. Alguém até pode dizer: que besteira, que alienação. Por quê eu quero ser visível, por que o negro deve ser visível na televisão? Tem que ser porque isso é um ato político. Estar no espaço público e se deixar ver é um ato fortemente político. Esse é o encaminhamento da ação, a luta pela visibilidade, e a mídia costuma ser muito racista neste sentido. (Muniz Sodré)”

Quando se trata da visibilidade do negro nos espaços midiáticos, especificamente na televisão a questão ganha um cunho ainda mais político conforme Muniz Sodré. A televisão como um todo é vista como o “espelho da realidade”.

CONCLUSÃO

Já é fato que o debate acerca do preconceito racial na mídia e nos demais setores da sociedade é urgente. Promover e dar visibilidade a essa questão ultrapassa a reparação pelo crime que foi o regime escravocrata. Resgatando a história do negro e estudando a situação dos afro-brasileiros no país, o Brasil vai estar redescobrindo e reconstruindo uma parte importante de sua história, de sua identidade. Desvelando o racismo é que será possível a concretização do mito da democracia racial que hoje ainda está distante de ser realidade.

A inserção maior do negro nos espaços sociais, incluindo a mídia, nas palavras de Muniz Sodré, é um ato político, pois é através da visibilidade que o papel do negro na sociedade brasileira começará a ser reconhecido. Entretanto, esse trabalho deve ser acompanhado de outras ações como o cumprimento da lei federal 10.639, a qual obriga o estudo da História Geral da África e do Negro no Brasil no currículo do ensino fundamental e médio seja público ou privado, e a entrada do Estatuto da Igualdade Racial na pauta do Congresso Nacional. O conhecimento e o reconhecimento da contribuição do negro na construção da história do país é fundamental para a formação da identidade dos afro-brasileiros, já que essa população não se vê representada na historiografia oficial, isto é, a história contada pela elite branca que considera heróis Pedro Álvarez Cabral, Dom Pedro I e outros personagens.

Vultos negros como Zumbi dos Palmares, que é apenas um dos diversos negros que desempenharam papéis importantes na trajetória do Brasil, são esquecidos. Sem mencionar a omissão de “detalhes” como a origem africana de nomes populares no ensino escolar como Machado de Assis, Lima Barreto, José do Patrocínio, Rui Barbosa, Mário de Andrade, entre outros. Posicionar esses personagens de importantes momentos do país como referenciais é determinante para a auto-estima dos afro-brasileiros que freqüentemente são representados na história apenas como escravos, como seres de menor importância, que não tiveram capacidade de sair da condição imposta pelos dominadores. Essas distorções se refletem até hoje nas atitudes e pensamentos de brancos e negros através do preconceito racial, por essa razão é fundamental para todos os brasileiros o conhecimento de sua verdadeira origem, com seus matizes diversos, riquezas e também aspectos negativos.

A desconstrução das folclorizações e dos estereótipos do negro, sejam estéticos, culturais ou intelectuais, passa pela reciclagem da consciência, pela criação de novas concepções de mundo e do “outro”, ato que se faz através do conhecimento da verdadeira história e memória do Brasil. E nesse processo a mídia também se insere com grande valor. Durante o XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação em 2004, a pesquisadora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Maria Immacolata Lopes, sintetizou a importância da relação mídia, memória e identidade em uma das mesas de discussão.

“A memória, tal como a identidade, é um fenômeno histórico e em construção. Muitos são os autores (Hobsbawm, Habermas, Gellner, Anderson) que defendem que a memória é um dos pilares de construção da identidade de uma nação, sendo, porém incapaz de prosperar como fenômeno moderno de integração cultural sem o suporte dos meios de comunicação social. Desta ótica, a memória é uma forma de consciência coletiva que pressupõe uma apropriação reflexiva dos fatos históricos. Por outro lado, como “construção artificial”, ela é particularmente vulnerável à manipulação ideológica por parte das elites políticas. Por isso, os conteúdos expostos nesta mesa encontram seu ponto de convergência naquilo que hoje se chama de política de identidade cultural: o que somos? Como representamos o que somos e o que fomos? (LOPES, 2004)”

Maria Aparecida Baccega compartilha da idéia de que a mídia e a comunicação social são um meio de integração da sociedade e agendamento de discussões.

“Comunicação é produção social de sentido. E nesse sentido se constrói nas relações sócio-históricas dessa sociedade. Os meios de comunicação, que são da natureza dessa sociedade, atuam como fator de coesão social. Editando o mundo e agendando temas que a sociedade irá discutir, a comunicação entra no processo permanente de produção de significado, comunicação entra no processo permanente de produção de significado, portanto de construção da realidade, em todas as suas manifestações, quer sejam culturais, econômicas ou políticas. (BACCEGA, 2000, p.108)”


Eugênio Bucci vai mais além, e vê a televisão como espaço onde os brasileiros se reconhecem brasileiros. Portanto, diante dos cerca de 80 milhões de afro-brasileiros que compõem a população do país em relação ao número de negros na televisão (menos de 5% no jornalismo), é possível deduzir que a idéia do que é ser brasileiro passada por esse meio é errônea. Já tarda o momento de o brasileiro assumir sua verdadeira identidade. Uma identidade que deriva não só dos afro-brasileiros como também dos índios e dos diversos povos que passaram a adotar o Brasil como pátria. E ainda, dar a visibilidade e a importância devida à discussão sobre o racismo ajuda a promover uma premissa maior: o respeito à diversidade. Certamente é a chave para o início da formação de um país mais justo e democrático onde todos os brasileiros possam exercer sua cidadania plenamente.

Como todos os cidadãos, o comunicador social também é parte desse processo de transformação da sociedade. Entretanto, o comunicador carrega consigo a função de propagar informações e idéias. Esse profissional tem um papel inerentemente social e carregado de responsabilidade.

FONTES E REFERÊNCIAS

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QUEBRANDO OS FORTES

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Manoel Soares, estudante de Jornalismo, repórter da RBS TV e conselheiro da Central Única das Favelas (Cufa)

Sabe aqueles quinze minutos antes de dormir, sabe aquele sentimento de imponência que assola o coração, sabe aquele sentimento que somos fracos e solitários, então fique atento este sentimento e algo ilusório e produzido.

Não sou nenhum defensor dessas teorias de conspiração, mas a verdade ta aí para quem quiser ver. Pensem comigo, no período imperial, o senhor de engenho tinha medo do tambor negro, e proibiu os negros de realizarem seus ritos afros, ensinaram que bonita era a cultura européia, disseram que a cultura negra era do demônio.

Esta marginalização definiu novas normas para organização social. A verdade é que o senhor de engenho era um fraco perante aquela massa negra que tinha uma cultura de impacto e que se unisse e partisse para a revolução como fez Zumbi, a casa grande iria a baixo, e foi por medo da força negra que ele enfraqueceu aquele povo com leis e normas que excluíam os fortes e os transformavam em fracos.

Este processo de enfraquecer a massa forte por medo de sua mobilização rola até hoje, ensinar a sociedade que a beleza é rica, que a paquita é loira, que a periferia é violenta, que o rap é coisa de bandido. Muitas leis escritas e não escritas, servem para enfraquecer a mobilização e auto estima, tanto que muitas vezes nós consideramos fracos e eles os poderosos, nossa concepção de força e poder foi invertida.

Entendo que o caminho para a boa convivência é que não exista “nós e eles”, que todos sejamos um, mas não dá para falar em igualdade sendo fruto da desigualdade, é como querer arrumar a casa com o chão todo sujo, o que é uma hipocrisia.

Apesar de pegar pesado na questão racial esta inversão de forças se aplica a qualquer tipo de dominação e manipulação, muitos pensam que a escravidão foi abolida, talvez só tenha sido emancipada, uma ética invertida é ensinada aos nossos filhos, ele é ensinado que não é sujeito e sim objeto, e nós assistimos à novela como se não fosse conosco, é importante entender e acreditar que somos poderosos, não deixe quem tem mais entrar na sua mente e te manipular.

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